sábado, 6 de setembro de 2008

a lua que queres


Algumas pessoas vêm me perguntando sobre o Eráclito Borges e sobre como conseguiriam algo dele. O Eráclito foi um amigo meu, que faleceu em 2002, ainda novo (tinha 35 ou 36 anos, não me lembro ao certo). Conheci o Eráclito quando morei em São Paulo, e tomamos alguns cafés juntos perto do Espaço Unibanco de Cinema (saudades de lá). Nunca chegou a publicar nada mas, quando soube que estava muito doente e que dificilmente ‘alcançaria a idade dos pais que, graças a deus, não conheceu’ (palavras dele, inclusive o graças a deus, expressão que ele usava repetitivamente apesar de ser ateu ‘da cabeça aos pés’), deixou comigo uma pasta com alguns cadernos para que eu ‘fizesse o que eu quisesse’. É deste acervo que eu cato alguns textos aqui para o blog. As anotações de que mais gosto são de seu ‘Diário do Isolamento’, textos que escreveu durante um ano em que ficou totalmente sem comunicação com qualquer ser humano, morando em uma cabana sem eletricidade no meio do mato. Este aí embaixo é do Livro III, com data de 11 de janeiro de 2001. Penso em, no futuro, organizar e publicar alguns de seus textos.

para Jenifer Bonezzi (que me perguntou sobre o Eráclito)


Eu só tenho para oferecer o que já me disseste que não queres.
Posso até te criar cores que não são as do meu corpo, que não são as dos meus olhos, mas em pouco tempo desbotarão.
Posso até usar palavras que nunca uso, palavras que travam a boca pela total inépcia desta em pronunciá-las, mas elas (as palavras, as frases) nunca sairão conforme imaginas.
Posso até, feito personagem literário, escalar montanhas e voando nas asas dos pássaros trazer-te a lua, mas olharás para ela, para a lua, e tomá-la-ás na palma clara da tua mão e, examinando a lua, dirás que não é ela, que aquela lua que tens na mão não é a lua que mora no alto do céu, que aquela lua que tens na mão não é a lua que tanto brilhava nas noites escuras e nos sonhos românticos que te despertavam suada no meio da madrugada, que aquela lua que tens na mão é pura e simplesmente uma cópia fajuta comprada a prazo de uma loja em promoção.
A lua que queres tem a circunferência, a profundidade e o relevo do teu umbigo. Eu não posso te oferecer o que já tens. E o que eu tenho para oferecer já me disseste que não queres.
Então pego das tuas mãos a lua e, trajeto idêntico (montanhas, pássaro, nuvem, céu), devolvo-a ao mesmo local de onde a tomei. Sentada na sacada do teu prédio deserto olhas para mim e falas ‘querido, não consegues mesmo me amar’, apontas com o teu indicador fino para um ponto entre as estrelas, para o exato ponto em que estive instantes antes e, manhosa, dizes ‘é aquela. Aquela é a lua que eu queria’. Ergo a tua camisa e beijo, sem qualquer esperança de que um dia entendas, o teu umbigo.

beijos

3 comentários:

Jenifer disse...

Lindo! Como tudo o que li aqui no blog até hoje, do Eráclito ou não.
Publique sempre que puder, é terapeutico passar por aqui!
Muito obrigada, um beijo!
Jenifer.

Rafael Koehler disse...

Tanto Eráclito quanto tu... tanto tu quanto ele... tanto um quanto outro escrevem textos lindos que me emocionam, que me deixam bem e não tão bem assim...

bjs

Caroline Carvalho disse...

Obrigada Greg.
O seu blog é uma forma linda de mostrar amor às palavras e aos sentimentos. Tanto palavras como sentimentos é o que mais vemos no mundo sendo jogado ao escárnio, como se pouco importasse a dimensão e profundidade delas.
Seu blog é uma experiência linda de sentimento e palavras...
Beijos querido,
Caroline