terça-feira, 31 de julho de 2012

Das Águas - Texto para Download


link para download do texto teatral "Das Águas", de autoria de Gregory Haertel, patrocinado pelo Fundo Municipal de Apoio à Cultura, através do Edital de Concurso 004/2011 da Fundação Cultural de Blumenau



terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

a arte em que acredito


Cada vez mais percebo o quanto a arte que me toca é uma arte contestadora, uma arte não voltada para a sedimentação do que já é conhecido, uma arte não cômoda, não institucionalizada, não apenas bela. Tenho pensado que a arte deveria trazer em seu cânone alguns anti-mandamentos, opostos aos mandamentos bíblicos, sendo que o principal deles, na minha tendenciosa opinião, seria ‘mata o teu pai e a tua mãe’ (em oposição direta ao cristão ‘honra o teu pai e a tua mãe’). A necessidade imposta pela ordem ‘honra’ limita a criação àquilo que pode ser compreendido e reconhecido (sob forma de prêmios ou de aperto de mãos) pelos ‘pais’ (amigos, mestres, antecessores, sociedade, pares). A arte-honra é uma arte eternamente medrosa, dependente dos aplausos, escrava de lágrimas antecipadas. A arte-honra não ousa, ou quando ousa é tão ousada quanto um buquê de rosas enviado em um dia comum. A arte-honra é uma arte segura como uma aliança dourada no anular esquerdo. Não aceita traições.
A arte-mata, o avesso da arte-honra, não tem obrigações. A sua única obrigação é consigo mesma (como um corpo que reconhece em si intestinos e frieira tanto quanto alma e coração). A arte-mata caga. A arte-mata não deve satisfações à sociedade porque não nasceu dela e não é para ela que vive. A arte-mata não depende de parabéns e incentivo público e reconhecimento dos pares. Enquanto a arte-honra é o que criamos ao nosso redor para termos uma suposta segurança (patrimônio, casamento, crenças, planos de saúde, promessas), a arte-mata simplesmente é, como nós somos. Enquanto a arte-honra tem os olhos voltados para o amanhã, sempre querendo saber sobre que solo estará pisando, a arte-mata nada sabe do depois porque não é isso que lhe interessa. Não nega dores e ferimentos e erros e suicídios. Não nega nenhuma possibilidade. Nada lhe é proibido. É essa arte, a arte-mata, a única arte em que acredito.

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

sobre cinema e benjamin 'gump'


Acabei de desistir, depois de 2 horas de música grandiloqüente, fotografia ‘linda’, lições de moral a cada 10 minutos e interpretações oscarizáveis, do filme de maior sucesso da temporada: O Curioso Caso de Benjamin ‘Gump’ (ou é apenas implicância minha perceber semelhanças entre este filme e Forrest Gump: narração em primeira pessoa por um personagem ‘abobalhado’ que é colocado em situações nas quais terá que lidar com perdas, guerras, mortes?). O que me levou a perguntar: onde é mesmo que está a VIDA no cinema atual (para não falar das demais artes)? Por que é que o cinema atual (que fique claro, o cinema para o grande público) nos trata como crianças? Por que é que o cinema atual precisa ‘poetizar’ tudo? (TODAS as cenas de suposto maior impacto dramático em Benjamin ‘Gump’ tem algo de ‘relevante’ a nos falar. TODAS as cenas de suposto maior impacto dramático em Benjamin 'Gump' são realçadas por uma trilha sonora de suposto maior imapcto dramático. Por exemplo, o capitão do barco está morrendo após ser alvejado na guerra mas ele consegue falar: ‘tem coisas que temos que aceitar’. E dá-lhe música para suposto maior imapcto dramático. Eu digo que a morte assim é fácil de aceitar. A morte pipoca e música e lágrimas fáceis é moleza. A morte ‘há um sentido para tudo isto’ é fichinha. A morte sem cheiro e sem gosto é a morte que todos nós desejaríamos). Acontece que a porra do cinema (e das demais artes) deveria nos levar a enfrentar os nossos demônios e não a maquiá-los para um passeio no supermercado. Acontece que a porra do cinema (e das demais artes) deveria ser o tapa na nossa cara e não essa merda de religião institucionalizada (aqui ouso uma pergunta: qual a diferença entre o cinema mainstream e as religiões? O que vejo é que ambos tentam ‘criar’ um sentido poético, belo, digerível, para questões que tendem as nos afligir. E digo que, entre as duas crenças, ainda prefiro a mais clássica e curta do Pai-Nosso). E acontece que a porra do cinema (e das demais artes) é a única coisa que nos resta para ampliar os nossos limites e não para estreitá-los nas únicas opções que atualmente ele (o cinema) nos permite: o ‘bonito’, o ‘poético’, o ‘correto’, o ‘explicável’, o ‘sensato’, o ‘digerível’. Chega desta bosta toda! Quero arte que surpreenda, que me mostre o que eu não vejo, que me faça sentir o que é incomum (que seja belo ou incômodo ou sujo, mas que seja de VERDADE), que me coloque contra a parede, porque para ratificar o que eu já conheço e espero eu já tenho a mim mesmo e as igrejas!

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

as pipas de Aguardo

De volta, mesmo que (de acordo com o post anterior) apenas uma bunda bonita.

Os pés firmes no chão, na outra extremidade de Rodrigo a pipa voava. Era na pipa que Rodrigo, por uma inversão absurda de perspectiva, se apoiava. Não soltava os pés nem se jogava da sacada de um edifício crendo que a pipa pudesse ser paraquedas. Não era tolo mais do que eu ou tu. Mas acreditava que era a pipa que o carregava. A pipa de Rodrigo, em um mundo repleto de pipas, em nada diferia das outras. Nem nas cores, nem na beleza, nem no vôo. Rodrigo caminhava, cumprimentava as pessoas por quem passava (cuidando para não enrolar o fio da sua com os fios das outras pipas: é sabido que fios de pipas nem sempre convivem bem. Há pipas inimigas. Pipas que riem de outras pipas. Pipas que competem entre si. Pipas tão sutis, quase teias de aranha, que negam a sua pipicidez – pipicidade? – mas que a um exame mais meticuloso definitivamente entre elas, pipas, se incluem) e as pessoas cumprimentavam Rodrigo de volta. No seu vigésimo aniversário, as pipas dos amigos se confundindo no céu com os balões da festa, Rodrigo recebeu em um embrulho uma tesoura e um recado breve ‘és tu quem a manténs, não ela que te segura’. Pensou que o texto anônimo se referisse à sua mãe, mas mesmo não entendendo como (a mãe era forte e lúcida) optou por não perder mais tempo. Abriu os outros presentes. Usou a tesoura para cortar alguns papéis e o recado foi reciclado. Morreu com 65 anos, casado, empresário honesto, 2 filhos, 3 netos, comungando religiosamente, feliz. A pipa foi usada como travesseiro e levada com o seu corpo, o corpo de Rodrigo, pelo trajeto inteiro da capela à terra, do alarido das últimas rezas à solitária companhia dos vermes. No céu de Aguardo, após a missa, dividiam o espaço pardais e pipas. Morreu acreditando que era a pipa que o mantinha em pé. Dizem que deu testemunho em silenciosas mesas brancas. Falava ‘carreguem as vossas pipas como eu carreguei a minha. É por elas que vossas almas não se farão perdidas ’. Rodrigo nunca desmontou a sua pipa, nunca a largou. Talvez a pipa, na mesa branca das pipas, comentasse com a lotação de pipas vivas ‘nunca larguem os seus Rodrigos. Foram eles que vos criaram. São eles que vos dão vida’.
Beijos de um moralista que odeia pipas (e que tenta encontrar os fios de todas as que carrega)

E (serão também pipas?) os melhores livros que eu li em 2008, na ordem aleatória da minha memória:

- O Mar (John Banville)
- A Estrada (Cormac Mccarthy)
- A Casa das Belas Adormecidas (Yasunari Kawabata)
- Ontem Não Te Vi em Babilônia (António Lobo Antunes)
- Austerlitz (W G Sebald)
- Paris Não Tem Fim (Enrique Vila-Matas) – os outros 3 dele que foram lançados no Brasil também são excelentes.
- Os Detetives Selvagens (Roberto Bolaño)

Últimos beijos.

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

luto

Que o sol apareça, mesmo que de ponta-cabeça.

Diante de todo este absurdo, da ampliação de tudo o que nunca havíamos entendido (a perda, a morte, a vida), opto pelo silêncio mais contrito, por um luto que não ousa nenhuma palavra, por um reconhecer de que nada há para ser dito, e escrevo apenas, somente isto: a mais perfeita indignação, o mais agudo grito, é estenderes a mão, é estenderes a mão (repito).

Escreveria aqui ‘até 2009’, mas desisto. Não escreverei. Espero, em breve, ter algo que mereça ser escrito. Escrever, por enquanto, me parece tão fútil quanto uma bunda bonita. Me despeço sem beijos.

sábado, 22 de novembro de 2008

a vida e a velha

'Renato, o Menino que era Rato' e Léo Kufner, o menino que era Renato, na nova montagem infantil da Cia Carona de Teatro. A pintura é de Telomar Florêncio.

A única coisa que me faz falta, pensa a velha, é aquilo que não senti. Eu poderia ter passado a vida inteira aqui, pensa a velha (e aqui é sentada em uma cadeira de balanço tendo os ossos, que no passado foram nádegas, amparados por uma almofada bege), imóvel, pensa a velha, sozinha, pensa a velha, e poderia ter sido perfeito. A vida não é lá, pensa a velha (e lá, para a velha, já é a partir dali, do centímetro além de onde os seus pés se encontram, do centímetro além de onde a catarata de seus olhos lhe permite ver, do centímetro além daquilo que deixa de ser ela, a velha, para ser outra coisa qualquer), a vida é dentro de mim (e dentro de si a velha vive dores mais profundas do que as do parto que nunca teve, do que as dos cortes que nunca sofreu; e dentro de si a velha vive alegrias maiores do que as de reencontros, de vitórias, de sorrisos; e dentro de si a velha vive medos e vive orgasmos e vive anseios e nada em mares de que só ouviu falar e voa entre nuvens e cai em lugares que nunca conheceu). A vida, pensa a velha, será sempre apenas aqui (e a velha tenta erguer o indicador até a têmpora esquerda, mas o único movimento que o seu dedo agüenta é um leve tremor). A velha, a cadeira sem balanço, as nádegas agora ossos, a vida e a almofada bege permanecem ali, estáticas, enquanto na estrada de barro em frente à casa, rasgando a paisagem, um carro passa.
beijos

sábado, 15 de novembro de 2008

a eternidade de Pililito

Tempos sem escrever aqui. Na foto, o que resta de Pililito. Assim é a eternidade dele. Que a eternidade dele também seja a minha.

Era assim que Maria o chamava: Pililito. Este era o seu nome e o de todos iguais a ele (círculos doces e achatados sustentados por um palito). Não tinha para onde ir, não tinha planos, não tinha êxtases, não tinha medos, nem sobrenome tinha. Era Pililito e pronto. Como os demais pirulitos. Não pensava em ser mais do que era nem podia ser menos. Não pensava em ser nem podia não ser. Não pensava e nem poderia (melhor para Pililito e melhor para Maria). Na única foto em que apareceu, de Pililito via-se apenas o palito. O resto se supunha dormindo no escuro criado pelas venezianas dos dentes de Maria. As rugas no corpo de Pililito não eram rugas, eram ausências. O tempo não era um secar e encolher do corpo como seria com Maria, como acontecia com frutas e bichos e folhas e outros. A vida de Pililito, o caminho que levava à morte de Pililito, era idêntica à de deuses e de idéias e de crenças e de dores. A vida de Pililito, a morte de Pililito, era (assim como a vida e a morte de idéias e dores e crenças e deuses) um lento desaparecer. Sei mais sobre Pililito do que ele jamais saberá sobre si. E nem o interessaria, acredito. O que interessa a Pililito é ser derretido até que, daquilo que ele era, reste somente o palito mastigado e torto (esquecido na grama de um parque? Jogado na lata de lixo?). A história de Maria eu não quero contar porque a história de Maria será sempre a história do pirulito seguinte, daquilo que há de vir, da angústia que sufocará. A história de Maria eu não quero contar porque a história de Maria é a história tua e minha, a história de um buraco que só é preenchido momentaneamente, a história de uma constante busca daquilo que no segundo seguinte volta a faltar. Aplaudo Pililito, mas ele, sensatamente, não tem ouvidos.

Beijos de um moralista.
E que a paz de Pililito esteja conosco agora e na hora da nossa morte. Amém.