sábado, 1 de março de 2008

entre as certezas do que estaria por vir e as certezas do que nunca virá


Oi, gente.
O bicho agora sou eu.

O homem chamado Gregory (que não é este Gregory que escreve) não tem palavras. O homem chamado Gregory olhou nos olhos baços de todas as palavras, em todos os dicionários, nas placas, nas frases dos poetas, nas afirmações categóricas das religiões, nos sussurros infantis aos pés de ouvidos apaixonados, em gemidos, em carícias letradas, em frases imaginadas (frases nunca ditas. Frases caladas), e nos olhos baços de todas as palavras o homem chamado Gregory nada viu. O homem chamado Gregory olhou para a estrada e depois para os pés e viu furos no solado gasto do sapato. Furos que eram furos. Apenas furos. Nenhuma outra significação. E o homem chamado Gregory (que não é este, que não sou eu) fuçou através do passado como um cachorro a procurar na podridão do lixo um naco perdido de carne no osso, mas o osso do passado do homem chamado Gregory estava roído. O passado do homem chamado Gregory (e não o meu passado lindo, maravilhoso - risos) estava em algum lugar entre o lixo e o domingo. Entre promessas plantadas e dívidas. Entre rezas e vômitos. Entre as certezas do que estaria por vir e as certezas do que nunca virá. E ele, o homem chamado Gregory (de novo afirmo que outro, não eu), procura nas gavetas da cozinha pelo remédio que não encontrará. Pelo remédio que ele, médico, sabe que não existe. O homem chamado Gregory vai ao banheiro e vê no espelho um terceiro homem (o primeiro sou eu, este que escreve) de mesmo nome, de mesmo rosto. Mas o terceiro homem está sereno. O terceiro homem está quieto. O terceiro homem, decerto também Gregory o seu nome, permanece grave. Pede silêncio. Coloca o indicador fino sobre os lábios. O terceiro homem aponta ao seu lado, dentro do espelho, um corpo tombado. Entende-se o motivo da gravidade. Há um morto. E o morto está coberto. O lençol que cobre o corpo é erguido por um vento súbito que foge da boca do terceiro homem. E na face do homem morto, do homem preso no espelho junto com o reflexo do homem chamado Gregory, eu me reconheço. Nenhum de nós quatro (eu que escrevo, o homem chamado Gregory, o reflexo do homem chamado Gregory, o morto em quem eu me reconheço) fala nada. Nenhuma palavra. Nenhum texto. Nenhuma poesia. Nenhuma rima. Nenhum riso. Nenhum grito. Porque até o desespero de todos nós quatro é calmo. Não há agito. Os quatro permanecemos como estátuas nos lugares marcados, esperando sabe-se lá o quê, sabe-se lá de quem. Sabemos que ainda não veio. Sabemos também que não vem.

Quatro beijos calmos. Quatro beijos meus.

3 comentários:

Rafael Koehler disse...

lindo...

cada vez que venho aqui adoro e fico com mais curiosidade e vontade de ler "Aguardo".


P.S: hoje me coloquei na história de Isabel... coincidência nos colocarmos nas histórias que escrevemos... pensei que seu post era de hoje, mas vi a data e você postou no sábado, então não foi no mesmo dia... hehheehe...

beijos,

Sandra Knoll disse...

Deixei um comentário tão emocionado ontem no teu blog e ele não aparece.
Bom, não vou escrever tudo novamente...te digo no sábado.
beijos

Daniel Olivetto disse...

pensei em duas coisas pra te dizer...

1. tu é foda
2. te amo

mas, qualquer coisa que eu falar não vai dizer porra nenhuma...