segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

o coração de adão


Oi, gente.
A fauna de Aguardo me empolgou. Catei fotos de viagens antigas e descobri essa aí, de Adão, o cachorro, e de seu galho.



Era dourado e seguia o dono (um dono de quem conhecia somente as botas). O pedaço de madeira preso na boca como um palito gigante de limpar os dentes atrapalhava a alimentação, mas ele, Adão, não se importava. Rosnava se alguém ameaçasse roubar-lhe o galho. O dono (de quem Adão conhecia apenas o assovio agudo), passos indecisos de bêbado, marcha cambaleante, tropeções, era o guia. Adão, cachorro treinado, abanava o rabo. Como a bíblia para um devoto, como a aliança para um recém-casado, Adão, o cão, levava o galho. Como se fosse fidelidade, como se fosse dinheiro, como se fosse qualquer outra verdade, Adão, o cão, guardava o galho. Como se aquilo fosse a mulher dos sonhos ou a cadela no cio, Adão amava o galho. O galho era o fio que unia cão e dono. Era o coração de Adão. Babando enquanto bebia, roncando em sono pesado, ali, preso aos dentes, estava o galho. Caçando perdizes, correndo no campo, ali, entre os dentes, se via o galho. O tempo passando, passando meses, passando anos, Adão firme seguia o dono com o galho amassado entre os lábios. O dono (de quem Adão já conhecia cheiros, medos, fomes, anseios) morreu em uma madrugada fria. Na madrugada mais fria daquele ano frio. O funeral foi discreto: uma pá e um padre. Na madrugada mais fria daquele ano frio, Adão, o cão, soltou o galho. E Adão, o cão, tendo soltado o galho, ficou parado. Não sabia mais o que era frente, o que era trás, o que era lado.

Beijos tristes de Adão, o cão sem galho.

6 comentários:

Rafael Koehler disse...

O galho atrapalhava Adão e ainda bem que ele soltou do galho.
Adão ficou perdido, mas logo ele encontra o seu caminho. Sem dono. Sem galho.

hehehehehehe...

hellokers no meu comentário.

Daniel Olivetto disse...

Ai Grebs... será que o coração de Adão não é a essência do que é a coisa coração mesmo? Se já não sei se quero ser Liloca, tampouco sei se quero outro lado esquerdo do peito que não seja o do Adão, o Cão, que me serve de tanto pra pensar esse 2008 que começa!

beijos com olhos enxugados agorinha

Paula Braun disse...

Talvez o galho não fosse nada. Talvez Adão ainda não tenha entendido que galhos são desnecessários pra se viver. E que o amor de Adão´pelo dono ou pela vida ou por qualquer coisa vai além do galho, além da morte, além de qualquer coisa. Acho que Adão não entende nada.

Daniel Olivetto disse...

Alzira tá loka... vai lá.. beijos

gregory haertel disse...

Concordo contigo, Paula. Apesar da minha compaixão (no texto) por Adão, o texto era para ser crítico e irônico (não sei se consegui). A critica era direcionada às pessoas (ou instituições) que se agarram 'ao galho' (p. ex. uma crença ou outra verdade absoluta). Particularmente eu também acho que Adão não sabe nada.
Beijo

Anônimo disse...

olha, eu fiquei tão vidrado na foto (sim! parece que só tem um vidro entre eu e o cacchoro!) que me negay a ler o texto kkkk
quando eu enjoar dela, leio o texto, prometo!