sexta-feira, 13 de junho de 2008

na tela plana do vidro fumê da janela da casa


Boa noite, gente. Texto daqueles que só o Dani gosta (então esse é de novo pra ti, querido). ‘O Capitão do Mar’ está pronto. Atracará no porto de Itajaí em 2009.

‘Estou cansado de assassinatos’, disse Gregory sentado na poltrona desfiada por unhas dos gatos. Tinha três malhados. Estava nu, uma toalha molhada dormia a sesta no piso úmido da sala. ‘Estou cansado de traições’, disse Gregory procurando pela faca ainda suja de requeijão. ‘Estou cansado’, disse Gregory e esperou a porta abrir para observar o Gregory que chegaria em breve (como sabia Gregory que o outro Gregory chegaria, eu, que também me chamo Gregory, não sei, não me foi dito). ‘Estou cansado de ver o tempo passando na tela plana do vidro fumê da janela de casa’, Gregory pensou. ‘Estou cansado de assassinatos’, Gregory pensou. Gregory pensou, ‘estou cansado’.
Aberta a porta, o outro Gregory jogou a pasta no chão e pousou a chave do carro na mesa de madeira rústica. O Gregory cansado de assassinatos ergueu-se súbito e encostou o requeijão da faca no pescoço do outro Gregory. ‘Estou cansado de assassinatos’, ele disse. ‘Estou cansado de traições’, falou mais baixo. ‘Estou cansado’, sussurrou. O requeijão colou-se à fatia de pão do pescoço do outro Gregory. O outro Gregory, temendo a morte, orou baixinho (o outro Gregory acreditava em deus, em búzios e em duendes. Não me perguntem como sei, porque eu que narro e que também me chamo Gregory não tenho resposta alguma. Sei apenas que sei, como um Sócrates às avessas). E o outro Gregory, o que orou baixinho, sem saber também o porquê, gritou (o grito aproximando jugular e requeijão) ‘não existe assassinato, não existe traição, não existe cansaço, não existe esse Gregory que me ameaça, não existe essa casa’ e pediu ‘deus pai, desapareça esse Gregory nu sentado na poltrona da minha casa. Búzios, icem o corpo magro desse Gregory nu sentado na poltrona da minha casa. Duendes, matem esse Gregory nu sentado na poltrona da minha casa. Desapareça, Gregory. Desapareça’. E o encanto se fez real e palpável pois eis que o Gregory desapareceu. Não o da faca. Não o da pasta. O Gregory que desapareceu fui eu, que narro. E não me perguntem como, mas o que sei é que o outro Gregory morreu assassinado com a faca enterrada no pescoço branco acumulando requeijão perto do cabo. E o primeiro Gregory, o que estava nu, o Gregory cansado, nunca foi encontrado.
Na cena do crime restaram apenas um corpo deitado ao lado de uma toalha molhada e o vidro fumê da janela da casa. Ah. E três gatos malhados.

Beijos

2 comentários:

Daniel Olivetto disse...

aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa...

qualquer comentário vi estragar tudo...

te amo nego... quase te liguei, mas são tres da manhã!!!

beijocas

Rafael Koehler disse...

Porra! (desculpa o palavrão!)

Arrasou!


beijos