domingo, 10 de fevereiro de 2008

aqui, sem pouso, é a tua casa


Oi, gente.
Desculpem a ausência prolongada. Trabalhando em ‘Volúpia’ (com todos os sentidos que essa frase possa conter), a peça nova da Cia Carona. Acabando ‘Aguardo’, meu primeiro livro (que deve ser lançado no início de março). E feliz. Feliz por vários motivos, e entre eles por ontem ter visto o ensaio aberto (é assim que foi chamado, Dani?) de ‘A Casa do Sótão ao Porão’, da Cia Experimentus, de Itajaí. A melhor coisa que eu vi em muito tempo. Singela mas sem medo de ser ousada. Metalingüística sem ser hermética. Respeitosa sem ser chata. Fiquei emocionado (o que é raro). Interagiram comigo durante o espetáculo (o que odeio) e curti. Inveja boa de vocês, guris (Dani, Sandra, Jô, Marcelo). E um orgulho colossal por conhecê-los. Obrigado pelo que me causaram.
E retornando à fauna, com vocês (rufar de tambores desafinados): Spoleta, a borboleta.



Como um homem que trocasse de pára-quedas durante um salto, Spoleta parava em galhos (mas não era ali, não era em galhos), parava em postes (também não, não era em postes), em calhas (tampouco em calhas), telhados (as telhas escorregavam), varais (tremiam), janelas, piso térmico, folhagens (transparência, comodidade, ecologia), mas Spoleta, a borboleta, assim como o homem em queda, ainda caía. Até ontem não estava apavorada. Até ontem Spoleta escolhia o pára-quedas pela cor, pelo conjunto, pela harmonia, pela textura. Acreditava em lares. Acreditava no dia em que, olhando entre as folhas da bananeira, reconheceria o lugar da futura casa. Spoleta, a borboleta, acreditava em pousos, na morada predestinada. Não era burra, a Spoleta. Se foi careta, foi uma única vez aos doze ou treze quando estava em crise. Aquela crise havia passado. Agora Spoleta sentia um leve aperto entre as asas, um desequilibrar no vôo, mas seguia procurando um pára-quedas com o nome de casa. Mas ontem, de repente, levada pelo vento na praia, Spoleta chorou. Desesperada não compreendeu a brisa que a carregava. Spoleta ouvia um uivo cochichando macio na antena esquerda ‘esquece calhas, telhas, postes, fios. Aqui, Spoleta, sem pouso, é a tua casa’. E Spoleta teve medo de cair. Mesmo com medo e sem pára-quedas, Spoleta conseguiu. De ontem até hoje não caiu. Até hoje não caiu. Até hoje não caiu.

Beijos sem pouso de Spoleta, a borboleta sem casa.

2 comentários:

Daniel Olivetto disse...

por que tu sempre me faz chorar, seu cuzão? aí ele chora com abraço, chora com borboleta, chora por dentro e por fora quando vê afinidades nas nossas idéias malucas sobre a ficção e a memória... e ele chora por fora, mas chora mais por dentro...

lóviú

Rafael Koehler disse...

se Spoleta até hoje não caiu, ela será forte e não cairá hoje.

e se ela cair?

do chão não passa. ela levanta, abre as asas e voa novamente. Pelo que percebi, Spoleta não desiste.


beijos,