segunda-feira, 14 de julho de 2008

o pavão

De volta à fauna de Aguardo (e, na falta de pavões para a foto , optei por uma foto bem colorida, de um desfile).

para Eduardo Pedrini

Sendo pavão, esvoaçando cores na cortina da cauda, Ilusão (o nome do bicho) caminhava rei e senhor no espaço apertado e árido do único zoológico do estado. Ilusão fora confinado ainda feto de pavão, ainda semi-vida, na incubadora importada que técnicos gabaritados haviam comprado especialmente para ele, para Ilusão, esperança de colorido especial para as tardes de sábado. Não soube ele enquanto feto, e nem depois quando adulto, que os cinco metros quadrados não eram o mundo, que os cinco metros quadrados eram apenas cinco metros quadrados e apertados. Ilusão entoava cânticos com olhar altivo e gogó afinado para turmas de crianças deficientes acreditando-se diante de seleta platéia especializada. Os aplausos serviam, para Ilusão, de confirmação do seu talento nato. Ilusão era, ou melhor, acreditava ser, perdoem-me a ironia, um leão. Pintava também. E exibia os quadros todos perfilados com assinaturas que ocupavam metade da tela. E escrevia. Poesias. O êxtase dos outros era o combustível do tanque de Ilusão. Viveu ali, nos cinco metros quadrados do único zoológico do estado até que adoeceu e, em menos de um mês, foi sepultado e esquecido. O espaço apertado e árido que era o mundo de Ilusão passou a ser a casa de Avestruz, que como o próprio nome diz era uma fêmea de avestruz. Os mesmos aplausos oferecidos a Ilusão eram agora oferecidos ao pescoço de Avestruz. Das cores de Ilusão poucos se lembram, restam apenas fragmentos do seu suposto brilho em fotos rasgadas e perdidas entre restos de comida e plástico no maior depósito de lixo daquele estado.
Beijos

Um comentário:

Rafael Koehler disse...

Não vejo nenhuma diferença entre Ilusão e os seres humanos.
Poucos se lembrarão de nós. Ou não. sei lá...

bjs