terça-feira, 27 de maio de 2008

o menino que catava bostas

‘Aguardo’ já está sendo vendido na Livraria Alemã, em Blumenau. Leiam. Critiquem.

Para o menino que catava bostas

O menino que catava bostas desceu sozinho no ponto final do ônibus. Não agradeceu ao motorista. Não se despediu do cobrador. Era esperado pela turma de sempre, o menino que catava bostas. Pelos vizinhos, pelos doutores, pelas mulheres. Diziam elas: sai de perto, menino. Fedes. Diziam eles, os vizinhos: toma vergonha na cara, ô menino. Cresce. Diziam os doutores, protegidos do odor pela vassoura dos bigodes: está doente. O menino que catava bostas passava por eles de olhos baixos, procurando nas saliências do barro uma bosta diferente, uma com o contorno mais nítido, outra com bolhas de gordura, outra dura e oval e pequena. O que mais interessava ao menino eram os tipos, não de onde vinham (do cu de quem), não o quanto cheiravam, não as variantes de cor. O menino que catava bostas catava em cada bosta uma nova escultura. Vozes se levantaram contra o menino. Falavam que aquilo era indecente. Perguntaram pelos seus pais (‘será que o maluco não tem mãe?’). Tentaram algemá-lo (‘eu é que não vou tocar naqueles pulsos’). Criaram grupos para catequizar o menino que catava bostas (‘em nome da ordem, do amor, e do Deus Odorante’). Nada tirava da idéia do menino a fixação por bostas. Submeteram o menino à hipnose (à distância). Deram aulas (mulheres em tailleurs apontavam para flores – bonitas, e depois para bostas – feias), mas o rosto do menino, arado pela coleção de tapas, teimava em se desviar para as bostas. Quase desistiam dele quando um canhão disparou uma bola que esmagou o menino contra o barro como um passo esmaga uma bosta no meio da estrada. Aplaudiram a morte do menino que catava bostas. A morte do menino que catava bostas foi manchete internacional. Todas as bostas guardadas pelo menino (as mais perfeitas, as com curvas difíceis, as praticamente impossíveis em sua geometria) foram queimadas. A vida do menino só fazia sentido por causa das bostas. Agora nem mais bostas nem mais menino faziam sentido.

Beijos

2 comentários:

Aninha disse...

Adorei Gregory! Muito legal, gosto da estrutura do texto, gosto dessa idéia da bosta. Entre outras coisas, me veio a cabeça a história (real, merda é real!) da nossa cultura de massa. O que foge do que "eles" (os comandantes)dizem ser o certo (para comercializar e ganhar dinheiro lógico) é bosta. E os que tentam (ousados, esses sao ousados!) mostrar a arte-não-comercial, são rotulados meninos. Os meninos catadores de bosta.
Beijo!

Rafael Koehler disse...

cada um cata e coleciona o que mais gosta, né?

helokers!


heheheehehehehhe

=)